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O que eu perdi #3: “Floral Green” do Title Fight (2012)

title fight floral

Meu primeiro contato com Title Fight foi com o excelente álbum “Hyperview”, ano passado. Um álbum ousado, com uma sonoridade única e que foi recebido com muita aclamação por alguns e com um nariz torto por outros. O que eu não sabia, até ano passado, era o quão excelente era essa banda de Kingston, Pensilvânia, EUA; e que 3 anos atrás eles haviam lançado um dos grandes clássicos dessa nova onda de bandas punk/hardcore, apenas um ano depois do, já considerado um dos melhores CD’s da década, “Wildlife” do La Dispute, abrindo os olhos dos fãs e da crítica especializada para esse lado obscuro da música, que aos poucos começa a receber a atenção que tanto merece.

No entanto, não é um CD fácil de escutar, assim como “Wildlife” também não o é, assim como “To Pimp a Butterfly” também e a primeira vez que ouvi “Floral Green” lembro de não ter gostado, ou de não ter gostado tanto assim, talvez num outro momento, quem sabe? Há pouco mais de 2 semanas, decidi dar mais uma chance para o álbum e desde então o escuto todos os dias, se não parece que algo falta no meu dia, seja durante uma caminhada no fim de tarde de volta para casa, seja minutos antes de ir dormir, seja minutos logo após acordar. “Floral Green” é tão bom que eu gostaria de injetá-lo em minhas veias.

Algumas de suas músicas são mais “famosas” (entre parênteses, por que essa palavra não passa de um termo muito subliminar que, no final, significa pouco ou nada) e ainda são tocadas nos shows, mas as poucas tocadas não representam a grandiosidade que representam dentro desse CD, seja por se encontrarem fora de seu contexto original, seja pelo som ao vivo não poder conter todos os elementos compactados nas 11 canções que compõem o álbum.

Começando explosivamente com guitarras bravejantes e uma bateria forte e marcante “Numb, but I still feel it” revela as incertezas que continuam e evoluem, mesmo depois do crescimento, algo tão marcado no primeiro CD da banda, “Shed”, que trata muito do tema, sendo até considerado por certas críticas como um CD de ” coming of age”. Deixando os gêneros de lado, a música que abre o CD acaba servindo como um prato cheio para os corações confusos tanto de adolescentes espinhentos quanto para jovens adultos com hormônios borbulhando e pernas cansadas de tanta labuta. Os vocais gritantes e o imediatismo com que a canção é tocada apenas reforçam esse ponto de vista.

O clima agressivo e imediatista continua em “Leaf”, uma canção rápida, com batidas e riffs acelerados, além de pesados, revelando através de suas letras, mais uma vez e de forma ainda mais consistente, a alienação que essa fase da vida traz.

“Like a Ritual” é, para mim, o ponto alto da obra e minha música favorita da banda, conta com os vocais mais bem acentuados e muito poderosos, contrastando com a simplicidade de sua letra, que é curta, porém já nos revela uma sensação de bem estar maior, uma espécie de alívio, mesmo que nada esteja perfeito ou do jeito que gostaríamos. Pode ser chamado de “Aceitação”, ser tratado como um sentimento negativo, mas eu não vejo dessa forma. Outros chamariam de “Amadurecimento” mesmo. E há nessa música ainda, próximo ao seu final, um frenesí de instrumentos guiado pelos dois guitarristas da banda, algo que se tornaria o cerne e o ápice da sonoridade do Title Fight em “Hyperview”.

A próxima canção começa seguindo uma fórmula muito comum entre as bandas de pop-punk desde os anos 90 e, dessa forma, o Title Fight faz questão de te lembrar de onde eles vieram, em quem eles se inspiram em “Secret Society”, revelando uma agressividade crescente ao longo de toda a sua extensão, que contrasta fortemente com a sonoridade flutuante e onírica de “Head in the ceiling fan”, talvez a música mais calma e distante da sonoridade total de “Floral Green”, no entanto revelando a capacidade forte que a banda tem de escrever letras surreais e labirínticas já no primeiro verso: “Cabeça no ventilador de teto vai rolando e desaperecendo como balas golpeando na pele de um veado”, algo que seria explorado e desenvolvido com mais propriedade em “Hyperview”, mas já pavimentava o caminho que Title Fight iria trilhar anos depois.

Um dos pontos interessantes a serem focados quando se fala de Title Fight é a proximidade que existe entre os membros. Ned Russin (baixo) é irmão de Ben Russin (bateria) e ele produz os vocais mais agressivos, gritando ao invés de cantar, contrastando com Jamie Rhoden, que é dono de vocais fortes, porém não tão agressivos, dividindo essa função com o amigo. As duas próximas canções destacam as habilidades vocais dos dois, seja no refrão de “Make You Cry” ou em toda a extensão de “Sympathy”.

Em “Frown” é contido o desejo mais importante de um anti-social apaixonado, buscando uma vida plena de alegria ao lado da amada em um lugar onde eles não possam ser incomodados, mesmo sabendo que isso não seria perfeito, na vida real.

“Calloused” pode ser uma música mais direta, mas eu não enxergo isso como um ponto ruim, sua mensagem é clara e única, sendo os vocais agressivos de Ned reforçados pelos vocais mais claros de Jamie seu ponto alto e mais chamativo, criando uma canção essencial para poder se compreender a grandiosidade desse álbum, além de contar com um dos solos de guitarra mais divertidos.

Completando o seguimento de músicas mais lentas, “Lefty” se apresenta, com acordes lentos, melódicos e ondulantes, porém distorções gritantes e agudas geram um contraste raramente ouvido em outras bandas de rock. Sua bateria marcante e maravilhosamente ritmada engana nos primeiros momentos em que começamos a ouvir os vocais, mas trata-se de uma canção de amor, ou talvez de desamor, por que, aparentemente, nesse momento o amor já se acabou, revelando, mais uma vez, um poder lírico muito forte da banda, contando uma história entre-linhas difícil de ser compreendida numa primeira escutada.

A última canção, “In-Between” contém os sonhos de alguém ambicioso e preso no presente e atento ao futuro. Seu começo, um pouco desconexo, talvez até meio chato, contém um Q de Nirvana, mas não se engane, a música evolui, ganhando ritmo e tornando-se encorpada a partir do refrão, até perder força mais para o final, deixando um sentimento de incompletude com seus vocais espaçosos e um final abrupto.

A sonoridade do álbum todo funciona como um prelúdio para o que estava por vir em “Hyperview”, com resquícios aqui e ali de um shoegaze, distorções de guitarras mais arrastadas e marcantes, além de vocais espaçosos. Analisado como um todo é como se todos os mais de 10 anos de banda estivessem contidos em apenas 11 músicas, mostrando toda sua capacidade, força e evolução.

“Floral Green” foi lançado em 2012, mais de um ano depois de “Wildlife” e é peça fundamental num tabuleiro que ainda está se revelando. Assim como “Room on Fire” e “Whatever people say, that’s what I’m not” na década passada, são peças que reformulam o mundo como se o rock não tivesse se solidificado e, ao invés de se tornar essa rocha que a mídia mainstream nos apresenta, evoluiu. Soa pedante, eu sei, é por que é, um pouco, mas é a realidade. Estamos no meio de uma fase diferente, que talvez nunca alcance a fama de um Nirvana ou Arctic Monkeys da vida, mas (hey!) os tempos são outros e isso não é necessário, afinal. Para mim, “Floral Green” é como um diamante escuro, não sujo, negro mesmo, que ao invés de deixar a luz passar, absorve ela por completo, um tipo raro e extremamente difícil de se encontrar. E de tão acostumados que estamos com o brilho emitido por outras pedras e com o vislumbre que um diamante transparante nos oferece, podemos passar distraidamente por um diamente escuro e nem notar sua presença (talvez nem distraidamente, talvez até atentamente), mas quando a notamos e analisamos essa peça de valor inestimável, sentimos como se um pedaço de nossa alma que nunca conhecemos tivesse voltado e se alinhado perfeitamente em nosso espectro celestial.

Obrigado Title Fight.

5 pontos

Um comentário em “O que eu perdi #3: “Floral Green” do Title Fight (2012)

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